Responsabilidade Subsidiária da Administração Pública por Encargos Trabalhistas: Análise à Luz da Constituição Federal, da CLT e das Súmulas dos Tribunais

Introdução

O tema da responsabilidade subsidiária da Administração Pública por encargos trabalhistas gerados pelo inadimplemento de empresas prestadoras de serviços tem gerado debates jurídicos relevantes no Brasil. Em discussão está a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, que veda essa responsabilidade da Administração Pública. Neste artigo, abordaremos as leis federais, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a Constituição Federal (CF) e as súmulas dos tribunais relacionadas a esse tema.

Terceirização dos Serviços

A terceirização é um processo pelo qual uma empresa ou Órgão Público (contratante ou tomadora dos serviços) contrata os serviços de outra empresa especializada (a prestadora de serviços) para realizar atividades que não fazem parte de sua atividade-fim ou que não deseja executar internamente. Na prática o empregado da empresa contratada presta serviços diretamente a empresa tomadora de serviços.

A Lei nº 8.666/93, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos, é o marco regulatório das contratações públicas no Brasil. Seu artigo 71, § 1º, é central para a discussão sobre a responsabilidade subsidiária da Administração Pública. Esse dispositivo estabelece que “o inadimplemento do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”

Tal disposição tem sido objeto de questionamento quanto à sua constitucionalidade, tendo em vista princípios como a dignidade da pessoa humana, a proteção do trabalhador e a igualdade previstos na Constituição Federal.

Constituição Federal e seus Princípios

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Por outro lado, o artigo 37, § 6º, da CF, dispõe que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Esses dispositivos constitucionais criam um tensionamento em relação ao artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, pois, enquanto este veda a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, a CF estabelece a responsabilidade objetiva do Estado por atos de seus agentes.

Súmulas dos Tribunais e Jurisprudência

Os Tribunais Trabalhistas, notadamente o Tribunal Superior do Trabalho (TST), têm desempenhado um papel significativo na construção da jurisprudência sobre a responsabilidade subsidiária da Administração Pública. A Súmula nº 331 do TST é emblemática nesse contexto. Ela estabelece que “a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário.” Vejamos:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

 II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

 III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

 IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Além disso, o TST tem consolidado o entendimento de que a responsabilidade subsidiária da Administração Pública é constitucional, desde que demonstrada a sua culpa na escolha e fiscalização do contratado. Essa posição tem sido reforçada por diversas súmulas e precedentes do tribunal.

Do Julgado do Supremo Tribunal Federal – RE 760931

O tema responsabilidade do ente público nas obrigações trabalhistas dos empregados foi objeto de julgamento no RE 760931, onde foi firmado a seguinte tese: O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93″.

A decisão do STF definiu que o inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos desse dispositivo legal. 

Ao nosso sentir a decisão proferida reforça o princípio da legalidade, que determina que os órgãos públicos devem atuar estritamente de acordo com a lei. A interpretação estrita do texto legal ressalta a necessidade de que qualquer responsabilização da Administração Pública por encargos trabalhistas seja baseada em dispositivos legais específicos e não seja uma extensão automática da inadimplência do contratado.

Podemos dizer que a decisão do STF também visou proteger o erário público, evitando que a Administração Pública seja automaticamente responsabilizada por dívidas trabalhistas de empresas contratadas. Isso é importante para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficiente e responsável.

Para esclarecer, o Acórdão proferido não exclui a possibilidade de a Administração Pública ser condenada de forma subsidiária por obrigações trabalhistas devidas pelas empresas contratadas. Isso pode ocorrer quando a administração pública não realiza a devida fiscalização para garantir o cumprimento das obrigações contratuais e legais pela prestadora de serviços contratada.

Nesse cenário, o poder público deve exercer um papel fiscalizador rigoroso na relação contratual com as empresas terceirizadas. Ela deve adotar medidas para garantir o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte dos contratados, evitando, assim, problemas futuros.

Conclusão

A discussão sobre a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 é complexa e envolve princípios fundamentais da Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana e a proteção dos direitos dos trabalhadores. A jurisprudência dos tribunais trabalhistas têm se orientado no sentido de reconhecer a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, desde que evidenciada sua culpa.

José Deivison de Oliveira Coutinho

Advogado, OAB RJ 186.125

Contatos 21-3074-4166/ 21-97945-0443

E-mail: deivison.josedeivisonadvogado.page

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Advogado Previdenciário no Rio de Janeiro-RJ.

Advogado Trabalhista no Rio de Janeiro-RJ

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