Quando posso considerar que o trabalhador doméstico é empregado? Qual a diferença entre diarista e trabalhador doméstico?
O Vínculo de Emprego no Trabalho Doméstico: Uma Análise Jurídica à Luz da Constituição Federal e da Lei Complementar 150/2015
Introdução
O trabalho doméstico no Brasil é regulado por uma série de preceitos constitucionais e legais que visam garantir direitos e deveres tanto para os empregadores quanto para os empregados domésticos. A Lei Complementar 150/2015 trouxe importantes avanços e especificações para a formalização do vínculo de emprego doméstico. Este artigo tem por objetivo analisar a configuração do vínculo de emprego no trabalho doméstico, com ênfase na legislação vigente.
Evolução do trabalho doméstico – Preceitos Constitucionais
O trabalho doméstico no Brasil tem uma longa história marcada por desafios e conquistas. Desde a escravidão até os dias atuais, os trabalhadores domésticos enfrentaram inúmeras adversidades para alcançar o reconhecimento e a valorização de seu papel na sociedade. A Constituição Federal de 1988, ao estender direitos trabalhistas a esses trabalhadores, representou um marco significativo na busca por justiça e igualdade.
O trabalho doméstico desempenha um papel essencial na sociedade, garantindo o funcionamento e o bem-estar dos lares. No entanto, historicamente, esses trabalhadores enfrentaram precariedade nas condições de trabalho, falta de reconhecimento e ausência de direitos básicos.
A Constituição Federal de 1988 foi um divisor de águas para os trabalhadores domésticos no Brasil. O artigo 7º, parágrafo único, estendeu a esses trabalhadores diversos direitos trabalhistas, como o salário-mínimo, jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, e aposentadoria. Vejamos a redação do artigo:
Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social. (NR)
Essa inclusão na Constituição simbolizou o reconhecimento da importância dos trabalhadores domésticos e o compromisso do Estado em proporcionar a eles uma proteção similar àquela concedida aos demais trabalhadores urbanos e rurais.
Após a promulgação da Constituição de 1988, outros avanços significativos foram alcançados para os trabalhadores domésticos. Um dos mais importantes foi a Lei Complementar 150/2015, que regulamentou diversos aspectos do trabalho doméstico, incluindo a obrigatoriedade o recolhimento do FGTS e a jornada de trabalho definida com horas extras remuneradas.
A Lei Complementar 150/2015 também trouxe avanços na formalização do trabalho doméstico, estabelecendo regras claras para a contratação e demissão, e assegurando direitos como a estabilidade gestacional e o seguro contra acidentes de trabalho.
A regulamentação e a proteção dos direitos dos trabalhadores domésticos têm um impacto profundo na sociedade. Ao garantir direitos trabalhistas, o Estado promove a dignidade e o reconhecimento desses profissionais, combatendo a discriminação e a desigualdade. A formalização do trabalho doméstico também contribui para a redução da informalidade no mercado de trabalho, promovendo a justiça social e econômica.
Quando posso considerar que o trabalhador doméstico é empregado? Qual a diferença entre diarista e trabalhador doméstico?
Para que o vínculo de emprego entre empregador e empregado seja reconhecido, é necessário que estejam presentes os elementos caracterizadores da relação de emprego, conforme estabelecido pelo artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade.
A diferença entre diarista e empregado doméstico está principalmente relacionada à natureza deste vínculo trabalhista e aos seus direitos trabalhistas associados. Vamos explorar cada um dos conceitos com base na legislação:
1. Diarista:
– Uma diarista é uma pessoa contratada para realizar serviços eventuais, sem continuidade regular. Geralmente, uma diarista presta serviços por dias específicos ou períodos esporádicos na semana.
– Não há vínculo empregatício no sentido estrito da legislação trabalhista brasileira. Isso significa que não se configuram elementos como subordinação (o empregador dirigindo o trabalho do empregado), onerosidade (pagamento de salário) e habitualidade (trabalho contínuo).
– Diaristas geralmente não têm direito a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego ou aviso prévio.
– A relação de trabalho autônomo é característica da diarista, visto que ela presta serviço de forma eventual e sem dependência econômica do contratante.
2. Empregado(a) Doméstico (a):
– O empregado doméstico é aquele que presta serviços de forma contínua e habitual no âmbito residencial do empregador.
– Há vínculo empregatício conforme estabelecido na Lei Complementar nº 150/2015, que regulamenta os direitos dos empregados domésticos no Brasil.
– Os empregados domésticos têm direito a todos os benefícios trabalhistas previstos na legislação, como salário-mínimo, jornada de trabalho definida, pagamento de horas extras, férias remuneradas com acréscimo de 1/3, 13º salário, recolhimento do FGTS, seguro-desemprego, entre outros.
– A relação de emprego doméstico é caracterizada pela subordinação jurídica (o empregado está sujeito às ordens do empregador), continuidade (trabalho regular) e onerosidade (pagamento de salário).
Portanto, a principal distinção reside na natureza do vínculo e nos direitos trabalhistas associados: enquanto a diarista atua de forma eventual e autônoma, sem os direitos típicos do emprego formal, o empregado doméstico trabalha de forma contínua e subordinada, com todos os direitos assegurados pela legislação específica.
Trabalhar dois dias da semana gera obrigação ao empregador de assinar a carteira de trabalho como empregado doméstico?
Não. Para que seja caracterizada uma relação de emprego, no caso do empregado doméstico, é necessário que o trabalho deste se dê por pelo menos três dias da semana. Caso contrário, não existe relação de emprego e sim de trabalho autônomo. Vejamos alguns julgados:
RECURSO ORDINÁRIO. DIARISTA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EM APENAS DOIS DIAS NA SEMANA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Negado o vínculo de emprego doméstico, mas admitida a prestação de serviços, por parte da obreira, em dois dias na semana na condição de diarista, incumbia ao reclamado o ônus de provar suas alegações, a teor do disposto no art. 818, II, da CLT, por traduzir a versão articulada, fato impeditivo ao direito vindicado pela autora, ônus do qual se desvencilhou satisfatoriamente, por meio de sua testemunha e das provas documentais colacionadas. E, constatado nos autos que a reclamante trabalhava para o reclamado apenas dois dias na semana, portanto, sem a continuidade prevista no art. 1º da Lei Complementar nº 150/2015, não é possível reconhecer que entre as partes existia vínculo de emprego, mas apenas relação de trabalho autônoma, exercendo a demandante a função de diarista. Recurso ordinário a que se nega provimento.
(TRT-13 – RO: 00004397620215130005 0000439-76.2021.5.13.0005, 2ª Turma, Data de Publicação: 27/05/2022)
Se o trabalhador trabalhar dois dias na semana, porém em plantões de 24 (vinte e quatro) horas, isso gera vínculo de emprego?
Sim. Visto que quando o legislador se refere a dois dias da semana, entende-se que a jornada compreende 8 (oito) horas de trabalho e não 24 horas, pois, nesse caso, ficaria evidenciado que o diarista esteve à disposição de seu empregador 24 horas por dia, o que configuraria vínculo de emprego entre as partes. Vejamos:
TRABALHO DOMÉSTICO. CONTINUIDADE. FREQUÊNCIA DE DUAS VEZES POR SEMANA. PLANTÕES DE 24 HORAS DE TRABALHO. Considera-se empregado doméstico aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial dessas, por mais de 2 (dois) dias por semana. O quantitativo prescrito no art. 1º, da Lei Complementar 150, “dois dias por semana” deve ser interpretado em harmonia à prescrição do art. 2, da mesma Lei: “duração normal do trabalho doméstico não excederá 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro)” Dessa forma, configura-se como trabalhador doméstico aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de dois dias por semana, com jornada diária não excedente a oito horas e semanal inferior a quarenta e quatro. No caso dos autos, a trabalhadora laborava duas vezes por semana, em plantões de 24 horas, cada, perfazendo, 48 horas semanais. O labor em número de horas superior ao módulo legal e constitucional, aglutinado em dois dias, é considerado acordo tácito de compensação de jornada, a evidenciar a continuidade da prestação de serviços a caracterizar o vínculo empregatício.
(TRT-2 10017432420195020085 SP, Relator: FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO, 14ª Turma – Cadeira 1, Data de Publicação: 19/07/2021)
Conclusão
A Lei Complementar 150/2015, ao exigir a continuidade na prestação de serviços para a configuração do vínculo empregatício doméstico, estabelece um critério claro e objetivo que deve ser observado tanto pelos empregadores quanto pelos empregados. As decisões jurisprudenciais citadas reforçam essa exigência legal, contribuindo para a clareza e a segurança jurídica nas relações de trabalho doméstico.
Dessa forma, para que o vínculo de emprego doméstico seja reconhecido, é imprescindível que a prestação de serviços ocorra de forma contínua, conforme determinado pela legislação vigente. A análise dos preceitos constitucionais e legais revela a importância de uma interpretação que assegure os direitos dos trabalhadores sem desvirtuar o conceito legal de empregado doméstico.
José Deivison de Oliveira Coutinho
Advogado, OAB RJ 186.125
Contatos 21-3074-4166/ 21-97945-0443
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Advogado Previdenciário no Rio de Janeiro-RJ.
Advogado Trabalhista no Rio de Janeiro-RJ
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